Adolescência.

domingo, 9 de agosto de 2009

  1. O apelido dele era "Cascão" e vinha da infância. Uma irmã mais velha descobrira uma mancha escura que subia pela sua perna e que a mãe, apreensiva, a princípio atribuiu a uma doença de pele. Em seguida descobriu que era sujeira mesmo.

- Você não toma banho, menino?
- Tomo, mãe.
- E não se esfrega?

Aquilo já era pedir demais. E a verdade é que muitas vezes seus banhos eram representações. Ele fechava a porta do banheiro, ligava o chuveiro, forte, para que a mãe ouvisse o barulho, mas não entrava no chuveiro. Achava que dois banhos por semana era o máximpo de que uma pessoa sensata precisava. Mais do que isso era mania.

O apelido pegou e, mesmo na sua adolescência, eram frequentes as alusões familiares à sua falta de banho. Eles as aguentava estoicamente. Caluniadores não mereciam resposta. Mas um dia reagiu.

- Sujo, não!
- Ah, é? - disse a irmã. - E isto o que é?
Com o dedo ela levantara do seu braço um filete de sujeira.
- Rosquinha não vale.
- Como não vale?
- Rosquinha, qualquer um.

Entusiasmado, com a própria tese, continuou:
-Desafio qualquer um nesta casa a fazer o teste da rosquinha.

A irmã, que tomava dois banhos por dia, o que ele classificava de exibicionismo, aceitou o desafio. Ele advertiu que passar o dedo, só, não bastava. Tinha que passar com decisão. E, realmente o dedo levantou, da dobra do braço da irmã, uma rosquinha, embora ínfima, de sujeira.

- Viu só - disse ele, triunfante. - E digo mais: ninguém no mundo está livre da rosquinha.
- Ah, essa não. No mundo?
Manteve a tese.
- Ninguém.
- A rainha Juliana?
- Rosquinha. No pé. Batata.

No dia seguinte, no entanto, a irmã estava preparada para derrubar a sua defesa.
- Cascão... - disse simplesmente. - A Catherine Deneuve.
Ele hesitou. Pensou muito. Depois concedeu. A Catherine Deneuve, realmente, não. A irmã, sadicamente, ainda fingiu que queria ajudar.
- Quem save atrás da orelha?
- Não, não. - disse o Cascão tristemente, renunciando à sua tese. - A Catherine Deneuve, nem atrás da orelha.
*
Já o Jander, tinha quatorze anos, a cara cheia de espinhas e como se não bastasse isso, inventou de estudar violino.
- Violino?! - horrorizou-se a família.
- É.
- Olha que eu tenho um ataque.
Sempre que era contrariado, o Jander se atirava no chão e começava a espernear. Compraram um violino para ele.
O Jander dedicou-se ao violino obsessivamente. Ensaiava dia e noite. Trancava-se no quarto para ensaiar. Mas o som do violino atravessava portas e paredes. O som do violino se espalhava pela vizinhança.
Um dia a porta do quarto do Jander se abriu e entrou uma moça com um copo de leite.
- Quié? - disse o Jander, antipático como sempre.
- Sua mãe disse que é para você tomar este leite. Você quase não jantou.
- Quem é você?
- A nova empregada.

Seu nome era Vandirene. Na quadra de ensaios da escola era conhecida como "Vandeca Furacão".
Ela botou o copo de leite sobre a mesa-de-cabeceira, mas não saiu do quarto. Disse:

- Bonito, seu violino.

E depois:

- Me mostra como se segura?
Depois a vizinhança suspirou aliviada. Não se ouviu mais o som do violino aquela noite.
O pai de Jander reuniu-se com os vizinhos.

- Parece que deu certo.
- É.
- Não vão esquecer nosso trato.
- Pode deixar.

No fim do mês todos se cotizariam para pagar o salário da Vandirene. A mãe do Jander não ficou muito contente. Pobre do menino. Tão moço. Mas era a Vandirene ou o violino.
- E outra coisa - argumentou o pai do Jander. - Vai curar as espinhas.

Luis Fernando Veríssimo.

Mais uma vez, uma crônica para vocês.

A Vila das Formigas.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Bem no meio do campo imenso de plantação, havia uma vila somente habitada por formigas. Lá todos tinham que trabalhar para alimentar a rainha, que era muito má segundo diziam algumas moradoras. Dormia e comia o dia inteiro sem fazer nada.reclamava de tudo e de todos os serviçais que se desdobravam em trabalhar.

Como sempre no meio de uma turma tem sempre o líder, aquele que pensa um pouco diferente do resto do grupo. Suas idéias em geral são sempre aceitas, mesmo que não sejam as melhores. Todo grupo tem seu líder e às vezes nem o percebem.

Assim sendo havia em uma das moradias da vila, uma formiga que não se conformava com o sistema todo. Trabalhava e muito bem como todas, mas sua cabecinha fervia de tanto pensar em tudo. Não aceitava o tratamento imposto pela rainha, era uma violação dos direitos formigais pensava.

Porque só ela come o melhor, dorme e não faz nada. Ficava furiosa e mais trabalhava. Até que um dia teve que sair da vila, caminhar muito para buscar uma certa ervinha que a rainha estava precisando. Lá foi ela enviada para tal missão.

Andou muito e cansada já, parou para respirar um pouquinho. Foi quando ouviu barulho de água jorrando... Mas que maravilha o riacho era claro e límpido. Cansada e com sede aproximou-se dele. Assim que tentou chegar para beber a água, ouviu:

- Precisa de ajuda?

Assustou-se saindo rápido dali. Parou e olhou para ver quem falara com ela. Bebendo água e ao mesmo tempo tomando banho, estava o Elefante.

- Puxa como era grande e forte...

Voltou devarinho e pediu licença para beber água.

- Ora formiguinha a água é para todos beba a vontade, deixe que eu trarei até você um pouco dela.

Assim o fez. Ela ficou maravilhada, pois na vila tinha que pedir permissão para tudo. Contou ao Elefante como vivia e que não estava nada contente.

- Veja minha amiguinha, você vive num grupo e sempre será assim mesmo fora da vila.

- Eu também tenho meu grupo e existem regras para se pertencer a ele. Pense em cooperativismo, formiguinha.

- Você não sabe o trabalho da rainha e o esforço que ela deve fazer lá dentro sozinha.

- Agora mesmo se você quiser atravessar este riacho não poderá, pois se afogará.

- Já eu posso atravessá-lo, pois sou bem maior que você.

- Porém se for um rio maior que este, você passará eu não.

Percebeu como existem diferenças que parecem às vezes a favor dos outros?

- Mas não é assim, cada um tem o seu valor.

Veja você, por exemplo, está longe da vila e vai buscar o que a rainha precisa.

Viu este riacho, bebeu água, falou comigo, e ela? Onde estará agora? Cada um tem o seu tempo a sua força e sua missão.

Cabisbaixa a formiga disse adeus ao Elefante, e continuou seu caminho.

Nunca havia pensado desta forma. Realmente possuo meu valor, tenho o meu poder consigo o que quero.

Pensando assim apanhou a ervinha que a rainha precisava, voltou não esperando agradecimento, pois cumprira sua missão.

- Pois é amiguinho aprenda com a formiga, pense e trabalhe seja persistente você pode você tem o poder!

Mesmo não sendo o líder, você tem a você mesmo que é a pessoa mais importante do mundo.



Marlene B. Cerviglieri
 
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